A imprensa não acreditava e poucas pessoas esperavam a sensacional vitória do Botafogo sobre o Vasco da Gama, no dia 12 de dezembro de 1948, no Estádio General Severiano, na decisão do campeonato carioca daquele ano.
Através de enquetes, entrevistas, bate-papos e outros meios utilizados pelo noticiário dos jornais na semana anterior ao jogo, verificava-se que mesmo os torcedores do Botafogo encontravam-se receiosos do poderio vascaíno. No máximo encontrava-se um outro mais arrojado que declarava o Botafogo ser mais perigoso no segundo tempo, pois possuidor de uma forma física excepcional, não se abateria nos quarenta e cinco minutos do período derradeiro, principalmente já por estar habituando as famosas viradas, reações prodigiosas que por duas vezes, uma contra o Olaria e outra contra o Flamengo, o público teve ocasião de assistir.
Esperava-se, portanto, um Botafogo cauteloso a se desvencilhar de um Vasco da Gama agressivo, guardando energias para o final, ou então, procurando da melhor forma possível tirar proveito das falhas dos comandados de Flávio Costa. Isso na melhor das hipóteses, pois na realidade, era crença geral de que o Vasco da Gama entraria em campo dominando totalmente o Botafogo, sem se aperceber de suas qualidades e conquistando, desta forma, um ambicionado bicampeonato.
Mas o que se sucedeu, ultrapassou a todas as expectativas. Ao invés de um Vasco da Gama agressivo, viu-se foi um Vasco da Gama cauteloso, defensivo, enquanto por sua vez o Botafogo era uma chama de entusiasmo distribuída por onze homens dispostos a arrasar o adversário logo de saída. Não dava a impressão que o Botafogo estava enfrentando o Vasco da Gama, tal o desembaraço com que os pupilos de Zezé Moreira levavam o jogo.
O primeiro gol do Botafogo, com menos de dois minutos de bola correndo, nasceu de um centro do ponteiro-esquerdo Braguinha, depois de dominá-lo na corrida ao receber um magnífico passe de Pirilo. Cruzada a bola para trás, Paraguaio entrou de cabeça para inaugurar o marcador.
Com o Botafogo jogando espetacularmente, com a defesa e o ataque numa das suas tardes mais felizes, o Vasco da Gama não parecia estar ainda derrotado. Nem mesmo com a conquista do segundo tento do Botafogo (de parceria desta feita entre Pirilo e Braguinha; Pirilo marcaria o tento, mas Braguinha entrando no lance, antes da bola alcançar a linha do gol, entrou com bola e tudo na ânsia de ampliar o escore), dava essa impressão, pois ainda esperava-se que ao ter início o segundo período os vascaínos reagissem e o jogo viesse ainda a acabar empatado. Ninguém ignorava o verdadeiro valor do conjunto vascaíno que, mesmo perdendo, mesmo jogando mal, ainda sobressaía-se tal era o número elevado de seus valores.
Mas o clube vascaíno regressou ao gramado com pouco entusiasmo. A tarde era mesmo do Botafogo. Quando, então, Octávio conquistou o terceiro tento, com cinco minutos de jogo, todos passaram a acreditar na vitória final. Nem mesmo o gol contra, de Ávila, conseguiu animar os cruzmaltinos.
Ainda que com dez elementos em campo, pois Gerson dos Santos não resistiu ao esforço feito e teve que abandonar o campo, passando o ponteiro Paraguaio a atuar de zagueiro.
E foi esse mesmo Paraguaio que participou de um lance primordial, lance que poderia colocar fogo no jogo. Uma bola chutada por Ipojucan ia diretamente ao gol, tendo passado por Osvaldo Baliza que não a alcançou. Quando parecia certo o segundo tento do Vasco da Gama, aparece a cabeça de Paraguaio desviando a bola para fora.
O Botafogo foi senhor absoluto do gramado. Ao Vasco da Gama restou esperar pelo final de jogo, reconhecendo a superioridade do Botafogo. O que não tardou, pois finalmente Mário Vianna trilou o apito dando por encerrada uma das mais curiosas e surpreendentes partidas de futebol do último tempo.
Deixamos para falar no final, do quadro do Botafogo, o herói deste campeonato, conjunto que no início do ano era olhado como um dos mais fracos pretendentes ao honroso título. É o mesmo quadro que alguns entendidos olhavam como fraco para a campanha, mas que Carlito Rocha soube demonstrar que só faltava para completar o seu poderio, um técnico brasileiro sem cartaz, gemada todos os dias e... um cachorro dos mais vira-latas e que atende pela alcunha de Biriba!
Não deveríamos destacar um jogador botafoguense mais do que o outro, pois a verdade é que todos cumpriram bem os seus papéis.
Ainda assim, façamos uma apreciação geral dos elementos que atuaram na decisão do campeonato.
De Osvaldo Baliza não se pode dizer muita coisa. Não teve oportunidade de demonstrar a sua forma, pois saldo dois chutes e assim mesmo dos mais fracos de Friaça, não o vimos intervir em jogada alguma.
Quanto aos zagueiros, cumpre ressaltar Nilton Santos, que sem um jogo espetacular, desempenhou bem a sua função de marcador e rebatedor. Gerson dos Santos, enquanto esteve em campo, foi utilíssimo, apesar de todos saberem as suas precárias condições físicas.
Na linha média, Juvenal destacou-se dos demais. Foi uma figura impressionante no gramado, podendo-se dizer sem medo de errar que jogou uma das maiores partidas de sua carreira futebolística. Mesmo marcando um gol contra contra, Ávila se agigantou no gramado. Outro que jogou muito bem foi Rubinho, que apagou por completo a atuação de Chico, o que por si só diz tudo.
No ataque também não houve pontos baixos. Braguinha, muito vivo e correndo sempre, mesmo nos derradeiros minutos. O veterano Geninho ainda mais uma vez não decepcionou os seus admiradores. Jogou muito o atacante mineiro que parece ter recuperado a juventude.
Quanto a Pirilo, é necessário que se assinale mais do que uma boa atuação. Um jogador que foi desprezado pelo Flamengo como decadente e inútil, e que consegue recuperar a sua forma antiga, é difícil de apreciar no futebol. Mas a verdade é que Pirilo foi incansável, sendo o arquiteto dos ataques, não se deixando marcar nunca, deslocando-se com grande desembaraço e agilidade.
Octávio, o mesmo de sempre, isto é, ótimo. Seu gol valeu a tarde de domingo.
Finalmente, Paraguaio, o preferido da torcida botafoguense, parece já se ter firmado como o melhor extrema direita da cidade. Tanto como atacante, como substituindo Gerson dos Santos, brilhou o excelente ponteiro alvinegro.
BOTAFOGO 3 x 1 VASCO DA GAMA
Data: 12 de dezembro de 1948
Local: Estádio General Severiano, Rio de Janeiro (RJ)
Árbitro: Mário Gonçalves Vianna
Renda: Cr$ 570.000,00
Gols: Paraguaio, 2; Braguinha, 40; Octávio, 50 e Ávila (contra), 52.
BOTAFOGO: Oswaldo Baliza, Gerson dos Santos e Nilton Santos; Rubinho, Ávila e Juvenal; Paraguaio, Geninho, Pirilo, Octávio e Braguinha. Técnico: Zezé Moreira.
VASCO DA GAMA: Barbosa, Augusto e Wilson; Eli, Danilo e Jorge; Friaça, Ademir Menezes, Dimas, Ipojucan e Chico. Técnico: Flávio Costa.
Obs.: Aos quinze minutos da etapa complementar, o zagueiro Gerson dos Santos, ao disputar uma bola alta com Dimas, sofreu uma queda que resultou no seu afastamento de campo. O ponteiro Paraguaio foi jogar no seu lugar.
Fontes: Correio da Manhã, Diário Carioca e A Noite.
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